Mensagem do Arcebispo › 20/09/2023

A caridade com a fé

Faleceu, recentemente, o cardeal Geraldo Majella Agnelo, arcebispo emérito de São Salvador da Bahia. Faltavam poucas semanas para completar 90 anos de idade. Nascido em Juiz de Fora (MG), transferiu-se com a família para São Paulo ainda menino. Entrou no seminário de São Paulo e fez os estudos no Seminário do Ipiranga. Já sacerdote, especializou-se em Sagrada Liturgia, conseguindo o doutorado no Pontifício Ateneu Santo Anselmo, de Roma.

Como padre da arquidiocese de São Paulo, foi assistente da Juventude Estudantil Católica Feminina, diretor espiritual e professor no Seminário Santo Cura d’Ars, em Aparecida, e no seminário teológico do Ipiranga. Foi secretário do cardeal Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, coordenador da pastoral, professor e diretor da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção e cônego da Catedral. Também foi mestre de cerimônias da arquidiocese, com três arcebispos: os cardeais Motta, Rossi e Arns.

Em maio de 1978, foi nomeado bispo diocesano de Toledo (PR), por São Paulo VI, e recebeu a ordenação episcopal em 6 de agosto na Catedral Metropolitana de São Paulo pela imposição das mãos do cardeal Paulo Evaristo Arns. Durante o rito de ordenação, foi anunciado o falecimento do papa São Paulo VI. Em outubro de 1982, Dom Geraldo foi nomeado arcebispo de Londrina (PR); em 1991, o papa S. João Paulo II o chamou ao Vaticano para ser secretário do Dicastério para a Liturgia. Por fim, em 1999, o mesmo papa o nomeou arcebispo de São Salvador da Bahia e primaz do Brasil, fazendo-o cardeal em 21 de abril de 2001.

Além de bispo diocesano, Dom Geraldo desempenhou as funções presidente da Comissão de Liturgia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB (1983-1987); vice-presidente do Regional Sul 2 da CNBB (Paraná); e membro da Comissão Episcopal Pastoral (1983-1987). Foi também 2.º vice-presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), membro de diversos dicastérios da Cúria Romana e presidente da CNBB (2003 a 2007). Publicou vários livros e artigos sobre Liturgia, área de sua especialização teológica. Desde janeiro de 2011, ele tornou-se arcebispo emérito de Salvador e passou a viver em Londrina.

Quem o conheceu e conviveu de perto com ele pode testemunhar sua afabilidade e bondade. Era acolhedor, paciente e amoroso para com todos e sabia criar laços de proximidade e amizade com as pessoas. Por onde passou, deixou amigos, que lhe queriam muito bem. Sempre foi animado por profundo amor à Igreja e inteira dedicação à sua missão. Mostrou grande zelo pela liturgia e pela boa formação do clero e do povo fiel. Promoveu a reforma litúrgica desejada pelo Concílio Vaticano II, sem extremismos de uma parte ou de outra.

Motivado por grande sensibilidade social, Dom Geraldo foi cofundador da Pastoral da Criança, juntamente com dra. Zilda Arns Neumann, na arquidiocese de Londrina. O método simples dessa iniciativa ajudou a enfrentar a subnutrição e a mortalidade infantil no município de Florestópolis (PR) e mostrou-se muito bem-sucedido, sendo rapidamente espalhado por todo o Brasil e também em vários países da América Latina, da África e da Ásia. A Pastoral da Criança salvou muitas vidas nas décadas de 1980 e 1990.

Tive a satisfação de estar ao lado de Dom Geraldo em três momentos de sua vida episcopal, que me edificaram e ensinaram muito. Sendo ele um jovem bispo em Toledo e eu com menos de dois anos de padre, conheci sua atenção e carinho pelos padres, religiosos e o povo. Essa proximidade não lhe impedia de orientar e corrigir o que fosse preciso. Ele sabia unir firmeza e suavidade no seu agir.

Depois, vivi perto dele em Roma, quando ele foi o arcebispo secretário do Dicastério para a Liturgia. Os sacerdotes e religiosos brasileiros que desempenhavam diversos serviços na Cúria Romana, a serviço da Santa Sé e do papa, tinham nele uma constante referência. Em sua habitação, não muito grande, perto da Basílica de São Pedro, aconteciam frequentes encontros de partilha fraterna. Dom Geraldo era como um pai para aquele grupo.

Outra ocasião de convivência próxima com o cardeal foi a nossa comum participação no exercício da presidência da CNBB, de 2003 a 2007: ele era o presidente e eu, secretário-geral. Foi um período desafiador, de renovação das estruturas e do funcionamento da Conferência dos Bispos, que também coincidiu com a mobilização contra a corrupção eleitoral, a negociação dos termos do acordo entre o Brasil e a Santa Sé sobre o Estatuto Jurídico da Igreja Católica, a preparação da Conferência de Aparecida (2007) e da vinda do papa Bento XVI ao Brasil. Dom Geraldo, na presidência, transmitia segurança, mostrando sempre grande amor à Igreja e sintonia com o papa.

Seu lema episcopal – caritas cum fide (a caridade com a fé) – traduzia bem a inspiração e a força do falecido cardeal, que vivia com grande serenidade sua missão. A fé inspira e o amor move à doação da própria vida pelos outros. Que ele agora descanse e receba de Deus o prêmio de sua fé e de sua caridade.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo

Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S. PAULO em 9 de setembro de 2023

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