Abriram-se as portas da eternidade
Celebramos o mistério pascal, que está no centro de nossa fé. Chamamos “mistério” por se tratar de uma realidade humana e sobrenatural ao mesmo tempo, que nos envolve e interpela. Tentamos explicar e até podemos dizer muito sobre ele, porém nunca teremos palavras suficientes para dizer tudo o que esse mistério é e significa para nós. Por isso, a Igreja nos convida a celebrar o mistério da Páscoa na oração, na contemplação e admiração, abrindo-nos para acolher o que ele significa para nós.
A Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus fazem parte de um mistério estupendo, em vários sentidos. Pelo sofrimento de Jesus Cristo, humana e amorosamente assumido por fidelidade a Deus e por amor à humanidade. Sendo “verdadeiro Deus e verdadeiro homem”, Ele assumiu tudo o que é humano: alegrias e contradições da vida em comum; a coerência com a sua missão, vivida seriamente até as últimas consequências; a fidelidade à verdade, nunca dissimulada ou escamoteada em função de interesses ou vaidades. Mistério insondável é que Ele tenha entregue sua vida pela humanidade e por amor a Deus Pai, enfrentando a condenação injusta, as torturas, as humilhações e a morte atroz numa cruz. E cada um pode dizer, como São Paulo: foi por mim que o fez. Ele me amou, e por mim se entregou na cruz.
Mistério insondável é a providência de Deus ter deixado que o Filho, humanamente, experimentasse a dor, a morte e a sepultura. Não era Ele o Filho amado do Pai? Se o Pai aceitou isso, é porque queria manifestar, assim, quanto ama a todos e a cada pessoa. É como expressa bem uma antiga oração do Tríduo Pascal: “Para salvar o servo, entregastes à morte o Filho!”. Quem pode compreender esse insondável amor do Pai e do Filho pela humanidade?
Somente conseguiremos compreender algo mais desse insondável mistério da fé, se não nos detivermos apenas diante da cruz e do túmulo fechado. A história da salvação não se detém aí. O túmulo vazio e os encontros com Jesus ressuscitado lançam luz nova sobre o mistério trágico dos sofrimentos e da morte de Jesus na cruz. “Deus o ressuscitou dos mortos ao terceiro dia”, proclama o Evangelho! Ele venceu a morte e está vivo. Deus não queria a morte de Jesus, mas aceitou a fidelidade e a coerência do seu justo e santo Filho, assumida em nome de todos os pecadores, a quem Ele quis, assim, reconciliar com Deus. Mas Deus queria manifestar na santa humanidade de Jesus Cristo, “obediente até a morte, e morte de cruz”, a vida nova e imperecível do homem, revestido da glória de Deus. A ela todos são chamados: “Se com Cristo morremos, com Ele seremos ressuscitados para a glória de Deus”.
Jesus Cristo ressuscitado é a manifestação, no tempo e na história, da obra definitiva e completa, que Deus prepara para todos. A eternidade manifestou-se no tempo, e as estupendas possibilidades do futuro do homem, ainda limitadas às contingências deste mundo, manifestaram-se em Jesus ressuscitado! Definitivamente, a ressurreição de Jesus manifestou ao homem o “outro lado” da existência humana, que não é obra do homem, mas de Deus, somente. Uma oração da Vigília Pascal proclama: “Ó Deus que maravilhosamente criastes o homem e, de maneira ainda mais maravilhosa, o recriastes”… A Páscoa, portanto, celebra a nova criação, que já se manifesta em Jesus ressuscitado. Diante dela, o sofrimento, a dor e a morte não terão mais poder.
Mistério de fé é também a nossa participação na Páscoa de Cristo, por meio do Batismo e da vida cristã. Desde agora, somos agraciados pelo dom da nova criação e da participação na ressurreição de Cristo mediante a fé e o Batismo. Por isso, na celebração da Páscoa, fazemos a recordação do nosso Batismo e renovamos a nossa profissão de fé e as promessas batismais. Com Ele, morremos ao pecado; com Ele, ressuscitamos para a vida nova, para vivermos como “novas criaturas”. Abre-se para os que creem em Cristo ressuscitado um horizonte de existência, onde terra e céu, tempo e eternidade se encontram. Não por obra do homem, mas por graça e misericórdia de Deus.
Desejo a todos os leitores uma feliz e santa Páscoa! Que sejamos testemunhas dignas, fiéis e alegres de tanta graça recebida.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 16/04/2019