Mensagem do Arcebispo › 08/11/2022

Homilia da Missa do 30º Domingo do Tempo Comum – Dia Mundial das Missões

Rezar/orar é um dos gestos mais comuns de religiosidade. A fé religiosa, geralmente, se expressa pela oração. Quem não reza, provavelmente não tem fé, pois a oração expressa nosso reconhecimento de Deus. Jesus rezou, passou noites em oração e ensinou os discípulos a rezar. E ensinou que é preciso rezar sempre, sem jamais deixar de o fazer.

Perguntamos: toda oração é igualmente boa? Toda oração chega ao coração de Deus? Como deve ser nossa oração para ser boa e chegar ao coração de Deus? A essas questões as leituras da Palavra de Deus deste Domingo oferecem uma resposta.

Jesus é um bom observador. Vendo como as pessoas entravam no templo para rezar, contou a parábola do fariseu e do publicano em oração. Um fariseu entra, vai bem à frente, fica de pé (não dobra o joelho nem a cabeça em adoração e reconhecimento a Deus), e começa a fazer sua oração de elogio a si próprio e de desprezo pelos outros, que considera pecadores, ladrões, adúlteros, avarentos… Ele se considera justo e cheio de méritos, apresentando sua fatura a Deus, como a dizer: tu me deves isso e aquilo…

O publicano, conhecido como pecador público, entra no templo, fica lá no fundo, abaixa a cabeça e nem ousa levantar o olhar, mas bate no peito, dizendo: tem piedade de mim, que sou um pecador. Jesus conclui a parábola: a oração do fariseu, não agradou a Deus. A oração do publicano sim, tocou e comoveu o coração de Deus

O que houve de errado na oração do fariseu? Ele rezou com atitude soberba, muito convencido dos próprios méritos, sem reconhecer que também tem necessidade de Deus. Faltou humildade e sincero reconhecimento de Deus. Sobrou auto-suficiência e até arrogância, a ponto de desprezar os outros, considerados pecadores, gente que não presta. Esqueceu que Deus também quer a salvação dos pecadores e devia se reconhecer como um deles também. Ninguém se salva pelos próprios méritos, sem precisar da misericórdia de Deus. Quanto julgamento e quanta condenação dos outros ouve-se por esses dias! Os “do bem” condenando sem piedade “os do mal”, já fazendo o julgamento final, que só a Deus compete!

O que houve de certo na oração do publicano? Não foi o fato de ser pecador público, de ter roubado. Ele tem consciência disso e reconhece que está carregado de pecados. Por isso, recorre a Deus, confiante na misericórdia de Deus. O que agradou a Deus na oração do publicano foi sua sinceridade e humildade. Ele recorreu a misericórdia de Deus, pedindo piedade, tendo a consciência de que precisa de Deus e não tem méritos próprios para apresentar a Deus. Na sua prece, o publicano não fez o julgamento dos outros, não desprezou nem xingou a ninguém.

Na bíblia inteira fica muito claro que Deus despreza os corações arrogantes e soberbos. Maria também proclama isso no seu cântico: “dispersou os soberbos de coração e elevou os humildes”.

O mesmo pensamento está presente na primeira leitura, do Livro do Eclesiástico e no Salmo da missa de hoje: “a prece do humilde atravessa as nuvens e, enquanto não chegar (a Deus), não terá repouso; não descansará, até que o Altíssimo intervenha, faça justiça aos justos e execute o julgamento” (Eclo 35,21).

É preciso rezar/orar, segundo a recomendação do próprio Jesus. Rezar todos os dias. Mas como deve ser nossa oração? Deve ser feita com fé e respeito a Deus, com confiança e humildade de nossa parte. A fé em Deus é o sincero reconhecimento de Deus e de tudo o que isso significa. Reconhecer que Deus é Deus e que nós não somos deuses, que vamos a ele para tratar “de igual para igual”, nem com o desejo de “dobrar” a Deus com nossos argumentos e muitas palavras. Na oração nunca podemos ter a pretensão de fazer uma espécie de “negócio com Deus”, de “subornar” a Deus, para trazê-lo para propósitos ou projetos desonestos. A oração verdadeira deve expressar a disposição sincera de fazer a vontade de Deus e de observar seus mandamentos: “seja feita a vossa vontade”. Não podemos ter a pretensão manipular ou instrumentalizar a Deus, o que seria uma atitude de magia. Por isso, a oração verdadeira também leva à conversão sincera de nossa vida diante de Deus e à conformação de nossos comportamentos e atitudes com a sua vontade.

Todos nós somos eternos aprendizes na oração e vamos amadurecendo na vida de oração, à medida que crescemos na fé, esperança e caridade. É o que nos faz pedir a Liturgia de hoje: “Deus eterno e todo poderoso, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade e dai-nos amar o que ordenais para conseguirmos o que prometeis”. Aprendamos sempre mais a amar o que Deus nos pede, e que é bom e santo; dessa forma, podemos esperar com confiança aquilo que Deus nos promete e que pedimos em nossas orações.

Neste Domingo, dia mundial das missões, a Igreja toda toma consciência do mandato missionário de Jesus aos apóstolos e a nós: “ide por todo o mundo, anunciai o Evangelho a toda criatura”… Nossa Igreja é missionária por sua natureza. Por isso ela envia missionários para os lugares onde o Evangelho ainda não chegou, ou onde o Evangelho já foi esquecido ou abandonado. Além disso, tomamos consciência de que a missão da Igreja é exercida por todos os batizados e por toda parte, onde já estão as comunidades cristãs, nossas paróquias e organizações religiosas. Nossa cidade, nossa paróquia e até nossa família são hoje “terra de missão”. A cultura, a convivência social, o mundo do trabalho, da educação e da política – tudo é “terra de missão”. Em toda parte e todos os dias nós devemos lembrar do que Jesus nos pede: “Vocês são minhas testemunhas”.

Além de rezar pelos missionários e para que cresça em nós a consciência missionária, hoje também fazemos, nas comunidades católicas de todo o mundo, o gesto concreto de apoio ao trabalho dos missionários, mediante a coleta para a evangelização. Recomendo a todos que sejam generosos no apoio do trabalho dos missionários. Eles o fazem também por nós e em nosso nome. Nossa prece missionária não deve ser soberba, nem de desprezo por quem crê diversamente de nós, mas deve ser feita com o desejo sincero de que todos possam conhecer a alegria do encontro com Deus por meio de Jesus Cristo e do anúncio do Evangelho.

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo Metropolitano de São Paulo

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