Os bispos ao povo brasileiro
No final de abril passado ocorreu a 60.ª Assembleia-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Aparecida, junto do Santuário Nacional de Nossa Senhora. Estiveram presentes cerca de 330 membros do organismo, de um total de 328 bispos encarregados das dioceses e 157 bispos eméritos, que já deixaram suas responsabilidades nas dioceses. Os nove dias da primeira assembleia cheia após a pandemia de covid-19 transcorreram num clima sereno e fraterno.
Na assembleia, os bispos católicos do Brasil trataram de diversos temas relativos às suas responsabilidades pastorais e às competências da conferência, conforme estatuto e regimento. Desta vez, a assembleia foi eletiva, para a escolha dos novos quadros dirigentes do organismo. Por isso a pauta previa uma série de relatórios, avaliações e prestações de contas da presidência e dos presidentes das 12 Comissões Episcopais Pastorais, que têm o encargo de acompanhar as várias dimensões da ação da Igreja em âmbito nacional.
O novo presidente da CNBB é Dom Jaime Spengler, O.F.M., arcebispo de Porto Alegre, e o secretário-geral, Dom Ricardo Hoepers, bispo diocesano de Rio Grande (RS). Foram também eleitos os representantes da CNBB no Conselho Episcopal Latino-americano (Celam).
Um tempo expressivo foi dedicado à reflexão sobre a situação religiosa, social, política e econômica do povo brasileiro e também sobre os cuidados da saúde integral dos padres, bem como a questões de liturgia. O lançamento da tradução, em Língua Portuguesa do Brasil, da 3.ª edição do Missal Romano, o “livro da missa”, foi recebido com satisfação, após um longo e meticuloso trabalho de revisão e aprovação da tradução dos textos em sucessivas assembleias da CNBB. A nova edição do Missal deverá entrar em pleno vigor no final de novembro deste ano em todo o Brasil.
No encerramento dos trabalhos, a assembleia aprovou e emitiu uma mensagem dirigida ao povo brasileiro. Nela, os bispos, exercendo sua missão de pastores, mas também na sua condição de cidadãos, manifestaram solidariedade à população sofrida, que vive diariamente aflições e agruras de toda sorte, sem ver seus legítimos anseios se concretizarem. Ao mesmo tempo, os bispos não deixaram de apontar causas das dores diárias de tantas pessoas: desigualdades estruturais, violência, banalização da vida, migrações forçadas, pobreza que não se supera, a fome que voltou, falta de oportunidades de trabalho, feminicídio, preconceitos e discriminações de vários tipos, desinformação intencional, agressões à natureza, nossa “casa comum”…
Quando o nosso Brasil alcançará a sonhada condição de justiça e equidade social para a grande parcela pobre da população, que luta diariamente para sobreviver, com pouca ou nenhuma perspectiva de conhecer um futuro melhor para si e seus descendentes?
Foi dirigida uma palavra de encorajamento a todos os trabalhadores e trabalhadoras, na véspera do Dia do Trabalhador, sem esquecer os desempregados e os que estão fora do sistema produtivo. O modelo econômico atual deixa de incluir grande parte do povo brasileiro, que segue à margem do mercado e apenas consegue disputar as migalhas e sobras do rico banquete que não lhes propicia um lugar à mesa do bem-estar social. Uma palavra especial também foi reservada aos povos indígenas e às comunidades tradicionais, aos quais os bispos encorajaram a seguirem adiante com suas lutas justas pela posse de suas terras e por segurança e paz em suas culturas.
Mas a CNBB não se quis deter apenas em lamúrias e cobranças às autoridades públicas, gestores do Estado e lideranças de organismos da sociedade. Por isso, convidou todos a uma grande conjugação de esforços, à responsabilidade e ao apoio recíproco na busca de soluções eficazes e duradouras para a melhoria das condições de vida do povo brasileiro. Lembrando as palavras do papa Francisco – “sejamos parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades feridas” (Encíclica Fratelli Tutti 17) –, os bispos conclamaram todos a cuidarem da vida humana em todas as suas fases, a defender e promover sem titubeios a dignidade e os direitos naturais das pessoas: “No cuidado da vida, nenhuma seletividade pode ser tolerada e será sempre por nós denunciada”.
Tendo ainda presentes as feridas causadas pela exacerbada polarização ideológica do processo eleitoral de 2022, os bispos também convidaram todo o povo e cada um, com a riqueza de sua fé e de suas convicções, cada qual com sua voz, “a construir um projeto de reconciliação e pacificação a partir do diálogo franco, que torne possível a superação do que nos afasta e fortaleça o que nos une”. Representando a Igreja Católica no País, os bispos católicos apostólicos romanos propuseram-se a fazer a sua parte, a partir das comunidades e organizações de suas igrejas locais e contando com a força da palavra de Deus, da oração e da fé e religiosidade do povo. “Não tenhamos medo. A esperança é a nossa coragem. Sejamos semeadores de mudança, de solidariedade e de vida.”
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S. PAULO, em 13 de maio de 2023